Riquezas escondidas na família
Os bispos franceses, preocupados com as delicadas transformações da família nos tempos hodiernos, formularam perguntas e questionamentos a peritos ligados à área da sociedade e da família. Monique Baujard, diretora do Serviço Nacional Família e Sociedade dos bispos franceses apresentou uma síntese das respostas sob o título “Les familles, miroir de la société”. Nesta nossa rubrica sobre a família, inspiramo-nos nestas conclusões. Temos em mãos versão italiana do documento (Il Regno – Documenti I/2012). Apoiamo-nos no texto fazendo aqui e ali um acréscimo ou um resumo. Fixamo-nos mais naquelas riquezas humanas e sociais que estão escondidas na família.
• Quando pensamos em família temos a tentação de dizer que ali as coisas andam mal e mesmo muito mal. Boa parte da problemática de nossa sociedade, é sabido, tem sua origem nas falhas e deficiências de nossas famílias. A Igreja lamenta que a família não consiga exercer sua missão de educadora da fé. Nunca, porém, queremos “canonizar” a família de ontem como aquela que correspondia a todas as exigências do ser humano. Leda ilusão. Quantas imposições e quanto sofrimento! Certo é, no entanto, que muitas revoltas, manifestações de violência, falta de solidariedade na sociedade têm sua origem em famílias precárias. Apesar de todas as manifestações de sua fragilidade continuamos a acreditar na família e a esperar que por ela, sobretudo por uma família construída sobre a rocha, a humanidade possa conhecer um novo futuro. Acreditamos numa família nova que possa surgir das cinzas de certas famílias que foram para muitos verdadeiras camisas de força. Há muitas riquezas escondidas nas famílias. E somos convidados a criar famílias novas.
• Nem tudo vai tão mal na família. Apesar de suas fissuras, a família continua digna de crédito. Primeiramente, deve-se afirmar que na família as coisas se aprendem e se apreendem por osmose. São colocados mil gestos e ditas tantas palavras aparentemente insignificantes. Coisas importantes, no entanto, se realizam no cotidiano, precisamente no cotidiano. As riquezas escondidas na família aparecem de modo especial quando pessoas não tiveram família… Sente-se saudade de suas riquezas…
• Há esse cotidiano feito de tantas pequenas coisas, nesses espaços entre o quarto e sala, a cozinha e a área, entre a cama dos pais numa manhã de domingo e o café solene desse dia em que todos estão em casa. A família se solda ou se solidifica entre a verificação da temperatura do filho mais velho e uma pilha de roupa que se tem que passar, entre uma lágrima por causa do avô que morreu e alegria dos primeiros passos que dá a peralta Gabriela. Esses fatos negativos e positivos apontam para a grandeza e as riquezas da família.
• Ela é, antes de tudo, criadora de laços e de liames. Há os laços conjugais, os laços parentais e os laços fraternos. Cada um vivendo seu “papel” constrói a identidade de cada um. O individuo sozinho é triste, frágil, precário. Os laços, evidentemente podem ser, algumas vezes, coercitivos, mas libertam da angústia. Quando existe família em sentido amplo há os laços com os avós, primos e primas, tios e tias. Tudo isso se constitui como um percurso de reconhecimento da pessoa. Cada um, assim, se torna compreensível a si mesmo.
• Quando as coisas vão bem, a família oferece lugar a cada um para amar e ser amado. Cada um é reconhecido pelo que ele é. O valor de cada um independe de critérios econômicos e sociais. Tudo se reveste de gratuidade, sem distinções. A família é um lugar onde cada um pode regenerar-se, curar as próprias feridas, encontrar conforto. É lugar de resiliência. Ela fica sendo o primeiro lugar de solidariedade. É para a família que as pessoas se voltam quando lhes acontece alguma desventura ou desgraça. Parece ser ela a única instância para a qual alguém se volta para conseguir uma ajuda sob medida, ou seja, a ajuda de que se necessita.
• A solidariedade diante de acontecimentos excepcionais da vida se aprende em família, na partilha do cotidiano. Ela é uma escola de vida coletiva, ensina a que se preste atenção no outro, a partilhar alegrias e sofrimentos. Da mesma maneira ficamos felizes em podermos partilhar em família os acontecimentos prazerosos e felizes. A família é lugar de festa. As celebrações e os ritos familiares introduzem os filhos numa cultura e numa religião… Ali uns e outros se comprazem em aprender a música que os avós italianos cantavam e a fazer as receitas que as avós alemães trouxeram de suas aldeias. Ali se ouvem as histórias do tempo da guerra.
• A existência de famílias com tais características faz com que os filhos possam se tornar adultos capazes de ter em mãos os fios de sua história e a travarem relacionamentos sadios com as pessoas que os circundam.
• Pode-se dizer que os filhos que crescem no seio de uma família de discípulos de Cristo mais facilmente poderão colocar-se diante do chamado do Senhor para o seu seguimento. Não se trata apenas de nascer e viver no seio de uma família de ritos religiosos, de leis, mas num clima onde juntamente com o amor do pais passa também a seiva do Evangelho. Talvez seja a família o espaço fundamental para a primeira experiência de Deus. Através desses múltiplos laços, a família acumula energia para durar.
• Ela se desenvolve e se desdobra através do tempo e para tanto ela requer dos seus membros uma criatividade no amor. Casamento e família não suportam a repetição monótona. Clamam pela criatividade. O amor, com efeito, é criativo. Por isso, todos estamos convencidos de que o casamento vive em estado de constante construção. Certamente, a vida familiar não é como um rio que corre tranquilamente, mas pode conhecer momentos de felicidade intensa para o que trabalham pela sua continuidade.
• Desta forma, a família pode proporcionar a estabilidade que cada um necessita. Ela parece ser (ou pode ser) o único lugar estável num mundo instável, num mundo que cada vez mais fabrica indigência. Num mundo mercantilizado, em que tudo é interesse financeiro a família é o único ponto estável no qual os pobres podem se apoiar. A estabilidade familiar corresponde a uma aspiração profunda do homem. Segundo alguns não serão motivações religiosas ou morais que estimularão os genitores a trabalhar pela estabilidade, mas somente o bem estar dos filhos.
• A Igreja, em alto e bom som, reafirma o ideal de um casamento de amor, indissolúvel e vivido na fidelidade. Talvez a Igreja seja hoje a única instituição a promover este ideal, a única instituição a promover o casal homem/mulher e a oferecer uma resposta à sede de absoluto que está presente no coração dos jovens enamorados. Os homens políticos não acreditam mais nesse ideal. Talvez, até mesmo por motivos eleitorais, não querem se aventurar nesse terreno. A Igreja e as famílias cristãs precisam manter em pé o ideal cristão.
Frei Almir Ribeiro Guimarães
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